Alquimia
Primeiro de tudo um aviso: Finalmente o Substack parou de me sabotar e vocês podem assinar a versão paga dessa newsletter! EEEE
A sabotagem do substack é também o motivo pelo qual essa cartinha, que deveria ter sido lançada em maio, tá vindo só em junho. Mas nós vamos sobreviver a isso. Quem por acaso assinar a versão com recomendações personalizadas deve receber na semana que vem um questionário do Google para gente se conhecer melhor.
E um segundo aviso: O primeiro clube do livro rolou super bem, mas cabe mais gente, então eu abri mais dez vagas. O encontro vai acontecer no dia 01/07 e leremos Lucky Jim, do Kingsley Amis. Vocês podem se inscrever por aqui, mas quem assinar a versão paga e quiser participar me manda um email que eu faço um descontinho. Sustente a escritora adquirindo uma venda casada.
E agora a newsletter…
Na primeira versão desse texto eu começava dizendo que atualmente tenho me interessado muito por livros que destrincham as formas que a gente se relaciona hoje em dia, mas a verdade é que eu sempre me interessei por isso. Anos atrás, quando a internet ainda não era um inferno e eu era solteira, eu tinha um blog (eu sei que muitos de vocês lembram dele) cujo principal tema era analizar microscopicamente por que cada um dos meus relacionamentos havia dado errado. Parte disso era, claro, a minha própria neurose e necessidade de jogar sal na ferida, mas uma outra parte era uma incompreensão e um fascínio pelas coisas que fazem a gente se apaixonar por uma pessoa e não por outra.
Não é, óbvio, uma questão lógica que se possa definir com uma equação. Mas ao mesmo tempo é de alguma maneira uma fórmula. Ou pelo menos uma alquimia. Uma mistura de elementos que pode magicamente criar faíscas ou explodir na sua cara e, embora meia dúzia de escritores românticos possam dizer que a questão é completamente esotérica e inescrutável, eu não acho que é. Imprevisível sim, mas possível de ser analisada a posteriori ou investigada pela literatura.
Eu tenho achado interessante como nos últimos poucos anos as formas como nós nos relacionamos finalmente apareceu na literatura. Antes, romances possuíam nomes e tudo era uma questão de amor, agora eu tenho lido bem mais sobre a nossa fluidez, sobre a falta de nomes, mas também sobre a falta de amor. Que não é, necessariamente, falta de afeto.
Isso me interessa também e volta para a primeira pergunta. Duas pessoas se conhecem, saem algumas vezes, transam algumas vezes, é legal, é ok, e aí eventualmente cada um segue seu caminho por que não era legal o suficiente. Eu disse muitas vezes “ah, eu gosto dele, mas não suficiente para namorar” ou analisei com alguma amiga minha se ela gostava de alguém o suficiente para namorar. Mas quanto é o suficiente? Ou o quanto da pergunta é o sentimento em si e quanto é as circunstâncias outras do tempo, da vida, do seu estado de espírito? Só essa questão dá um livro inteiro.
Ontem eu terminei de ler Exciting Times, da Naoise Dolan que foi muito comparada com a Sally Rooney (ela é irlandesa e millenial, não dava pra não ser), e entreguei uma resenha de Copo Vazio, da Natalia Timerman e ambos me deixaram pensando nesse início, nesse momento de decisão. Quando o que eu estou vivendo é suficiente para ir além e quando não é? E quando o tempo impõe que se não for suficiente é preciso acabar com tudo?
Outro dia eu recontava pela milésima vez a história de um homem com quem fiquei por um ano inteiro sem que a gente desse nome para nada e disse “não era o nome que me incomodava, claro, era o não saber". E embora eu ainda ache que essa é uma frase perfeitamente lógica eu também me pergunto qual é a diferença? O que afinal eu precisava saber?
Os dois livros começam com uma protagonista que conhece um homem e se envolve com ele. No primeiro, Ava, uma irlandesa dando aulas de inglês em Hong Kong, é extremamente analítica e passa todos os segundos medindo e examinando cada palavra que Julian, esse homem, fala. Ela encara esse relacionamento como uma disputa, ou uma balança: é preciso manter as coisas equilibradas, não dar mais do que ele deu, saber onde ele está para poder se posicionar, não só na “esfera pública” do relacionamento, mas também dentro dela. Não é que Ava não quer demonstrar mais do que Julian, ela não quer sentir mais do que ele.
Em Copo Vazio, por outro lado, existem quase dois relacionamentos. O que Mirella, a narradora, efetivamente vive com Pedro e aquele que ela projeta. Uma das coisas que eu mais gostei no livro é esse desencontro entre os fatos que a narrativa te dá e a interpretação deles que a protagonista faz na sua cabeça. Mirella não é só uma narradora não confiável para você, leitor, mas também para si mesma.
O que eu gosto é que esse desencontro também vem sem julgamentos, mas com o reconhecimento de que é quase impossível não narrarmos nossa própria história, não sermos protagonistas dessa série meia boca que é a nossa vida. E narrar é sempre interpretar. E é justamente por ter tanto medo de interpretar sua história que Ava acaba escapando de vive-la de verdade quando ela passa do relacionamento com Julian para outro em que as coisas são menos explícitas e a interpretação é exigida.
Mas a pergunta permanece: Mirella conhece Pedro e eles saem algumas vezes, conhecem os amigos um do outro e vivem alguma coisa. Alguma coisa, mas não se sabe bem o que. E então ele desaparece. É um desaparecimento que ao mesmo tempo parece quebrar o acordo do que quer que essa alguma coisa fosse e ser menos grave do que o sofrimento de Mirella faz dele. O desaparecimento de Pedro é uma contravenção porque é sem aviso e havia, afinal, alguma coisa. Mas o sofrimento de Mirella também parece ser uma porque projeta um futuro que não era óbvio, não só porque não havia sido prometido, mas porque a alquimia ainda não havia dado seu resultado.
O relacionamento deles se desfaz antes de ser algo e Mirella se vê presa precisamente nessa pergunta: o que poderia ter sido? E por que não foi? De forma semelhante, Ava se vê analisando seus afetos e medindo a temperatura de coisas sem nome que podem ou não virar coisas com nome. O que eu gosto dessa chegada da minha geração na literatura é que quando éramos olhados “de cima” esses estágios eram sempre acompanhados de julgamentos, de acusações de sermos “descompromissados” e “promíscuos", quando o que parecemos ser é mais compromissados com o nome das coisas, mais precisos quando arranjos são feitos.
É um paradoxo, claro, que o peso colocado no contrato firmado permita que a gente viva tanto sem contrato ou regras nenhuma e que a angústia de saber se aquilo é algo digno de ser vivido mascara que ja o estamos vivendo. E tudo bem. Eu, pelo menos, estou interessada nisso. E se a gente eventualmente resolvesse esses paradoxos, acho que eu seria obrigada a parar de escrever, então melhor deixar assim.
Esse absolutamente não era o texto que eu sentei para escrever, mas tudo bem também. Essa newsletter é um exercício de espontaneidade (inclusive, ela é pouco revisada por isso, vivam com os erros que aparecerem) porque eu vinha sentido muita, muita falta de escrever assim. Sejam bem-vindos, seguiremos nessa vibe.
Como essa é a primeira newsletter deixa eu esclarecer que nessa seção vem tudo que eu li, vi, escutei, etc entre a última edição e a atual. No caso dessa estreante, é tudo que aconteceu em maio, ou sei lá, nas últimas semanas. Espontaneidade.
O que eu li: Reli As Virgens Suicidas, do Jeffrey Eugenides, para um ensaio em que estou trabalhando. Eu tinha lido o livro pela primeira vez aos 17 anos e ele ao mesmo tempo manteve o fascínio e se revelou um absurdo de técnica literária.
Li O Som do Rugido da Onça, da Micheliny Verunschk que a Companhia das Letras me enviou. Achei que tem coisas interessantes, mas o paralelo com o presente é didático demais. Não é bem meu estilo, mas pra quem gosta de prosa poética acho que vai ser ótimo.
Li um livro chamado Du Domaine des Murmures, da Carole Martinez, que tem tradução para o inglês, mas não para o português. Nem sei por que eu comprei esse, mas amei demais, é muito mais interessante do que eu poderia ter imaginado da sinopse.
E por fim li Junky, do William Burroughs e por um lado gostei, acho que é impressionante a poética que ele tira das situações narradas, por outro achei um pouco cansativo.
O que eu vi: Dois filmes que eu tava pronta pra apostar dinheiro que não iam funcionar, mas funcionam: Enquanto Você Dormia, uma comédia romântica com a premissa mais absurda do mundo, e Cruella, que vocês já sabem do que se trata (ambos no Disney+). Vi também Hard Eight, primeiro do Paul Thomas Anderson e você tem que demais ser o Paul Thomas Anderson pra conseguir sustentar esse roteiro sem pé nem cabeça só na base do estilo (tá na Amazon Prime). Assisti Greta e estou abismada com como pode um filme com a Isabelle Hupert ser tão ruim (se você gosta de sofrer, tá na HBOGo) e por fim A Estrada, gostei muito, acho que é a melhor adaptação possível para o livro (também na HBOGo).
Vocês vão aprender que sou uma pessoa muito lerda para série, mas vi The Great e achei maravilhosa, inclusive acho que uma resenha da newsletter paga vai ser sobre isso. Tá no StarzPlay
O que eu ouvi: Olívia Rodrigo sem parar, como se eu tivesse 15 anos. Mas também Arlo Parks, que achei gostosinho, e combinando com essa newsletter foi recomendação de alguém que um dia foi alguma coisa, hoje em dia a gente deve ser amigos. E episódios do The Rewatchables, um podcast que gosto muito, sobre Sociedade dos Poetas Mortos e Harry e Sally