No primeiro ensaio de Falso Espelho, que se chama “O Eu na Internet” e com o qual eu fiquei totalmente obcecada dois anos atrás, a Jia Tollentino elabora algo que ela identifica como uma grande armadilha da internet hoje: quando redes sociais nos dão a oportunidade de falar de questões políticas e sociais isso gera uma sensação de ação que é, na verdade ilusória. Ou seja, eu posto “olha só, tem gente passando fome” e sinto que ao apontar pra isso eu fiz algo em relação a esse problema. Acontece que falar sobre algo não é igual fazer alguma coisa sobre isso e essa ilusão faz um monte de gente que acha que estar ajudando na verdade atrapalhar. Porque em vez das pessoas se mobilizarem elas postam e confundem postar com mobilizar.
Eu sinto que essa ideia contaminou muito o consumo de ficção hoje em dia: as pessoas leem livros que falam sobre certas questões e sentem que isso é igual a agir sobre essas questões e essa sensação é tão boa que toda uma galera lê para se sentir politizado e não por qualquer outro motivo pelo qual se leria ficção. Daí todo mundo recomendando um monte de livro porque eles são “importantes”, “necessários", “fundamentais". O que quer que seja. Acontece que nem ler é uma forma de agir no mundo nem essa é uma medida interessante pra ficção. Eu não quero saber se um livro é importante, eu quero saber se ele é bom.
E eu entendo esse movimento porque por outro lado a literatura sempre falou do presente e ela é, claro, uma maneira de comentar o mundo e espelhar o que é ser um sujeito em determinado contexto histórico e social. Madame Bovary não deixa de ser uma investigação da subjetividade em um contexto que o Flaubert identificava como de esfacelamento social. E esse presente atual se impõe violentamente, eu sei disso. Como alguém viveu no Brasil entre 2018 e 2022 sem que isso se impusesse em toda sua subjetividade e, portanto na sua ficção? Mas também como contar uma história sobre isso?