Eu tenho algumas memórias muito vívidas de certos produtos culturais. Alguns discos que eu me lembro exatamente de quando ouvi pela primeira vez (Melodrama no metrô), livros que eu tenho uma memória quase física de ler e um ou outro filme que eu consigo evocar a exata sensação de quando as luzes se acenderam e eu continuei sentada na poltrona, um pouco atordoada, sem saber bem como me mover dali. Dente Canino foi um desses.
Era a Mostra de 2009, eu ainda estava na faculdade, engolindo quantos filmes eu conseguisse com um passe promocional que me permitia ver uma quantidade ilimitada de filmes desde que de tarde e dia de semana. A sessão estava cheia, daquelas em que as pessoas precisam se descabelar para conseguir e quando o filme acabou todo mundo parecia estar olhando em volta com a mesma cara de “mas que porra é essa que eu acabei de ver?”
Eu não tinha certeza se tinha entendido, mas foi suficiente para eu começar uma relação com o Yorgos Lanthimos. Eu reassisti o filme depois, inclusive recentemente, e fui conseguindo ao longo de todos esses anos desvendar o que me impressionou tanto: a radicalidade com que ele encara a violência da estrutura familiar e a autoridade da linguagem sobre nós.