Eraserhead, primeiro filme do David Lynch, é como um pesadelo filmado. Não um filme sobre um pesadelo, um filme que é um pesadelo. Eu nem sei direito sobre o que é esse filme, embora eu tenha visto ele algumas vezes. Eu só me lembro das imagens e da transição entre elas, ao mesmo tempo absurda e exatamente como elas se formam na nossa cabeça.
Eu gosto tanto do Lynch, e sou tão assombrada por Eraserhead, que quando eu estava na faculdade de cinema eu me inscrevi em um workshop de meditação transcendental com ele só porque sei lá, eu achei que a mente do cara era tão doida que alguma coisa interessante ia sair dali. Eu tenho esse fascínio por diretores que aceitam essa característica onírica que me parece inerente ao cinema, Bergman, Tarkovski, Fellini, todos eles filmam sabendo que projetar imagens é exatamente o que um sonho é, mas o Lynch leva isso para o avesso. Eu amo a angústia que ele consegue criar em Mulholland Drive quando um personagem tem a cara de outro e a pessoa que sonha está presa nessa sobreposição incômoda de identidades.
Contudo, se existe essa proximidade natural entre cinema e sonhos, isso também pode ser uma armadilha. Primeiro porque ninguém se interessa de verdade pelos sonhos dos outros, depois porque a simbologia dos nossos sonhos costuma ser óbvia ao ponto do clichê. Filmar um sonho, portanto, é ao mesmo tempo se comunicar em signos óbvios sem que isso pareça tonto e manter o hermetismo sem ficar desinteressante. Eu gosto do Lynch a ponto de ter feito um workshop de meditação com o homem, mas por outro lado eu detestei Inland Empire. A coisa ficou hermética demais e mais com cara de filme sem montar do que algo que flui no ritmo do sonho, um tanto choque pelo choque.
Tudo isso em uma resenha sobre Beau Tem Medo para dizer que eu acho que nesse filme o Ari Aster comete exatamente o mesmo erro do Lynch: filma um sonho que não interessa a ninguém e acha que isso é chocante.