Esse é um diário de leitura um pouco roubado porque eu já terminei o livro (ele tem 60 páginas, é meio impossível não ler em uma sentada), mas eu sinto que a obra da Annie Ernaux funciona muito em diálogo e nesse sentido eu ainda estou no meio de um processo.
Em 2013, quando anunciaram que a Lydia Davis viria a Flip, eu tirei da estante uma coletânea de contos dela que tinha comprado há tempos e comecei a ler. Tudo me encantou, mas eu fiquei atordoada por um conto que dizia:
[…] but most of all because often she doesn't know where she is, and particularly concerning this man she doesn't know where she is.
Aquilo me tomou não porque a escrita era algo que eu nunca tinha visto antes (era), mas porque tinha ali uma escritora, uma mulher interessante, famosa, de sucesso, falando em voz alta que as vezes, assim como eu, ela era completamente tomada pela espera de um homem e por não saber o que ela era para aquele homem. Em 2013 eu era muito tomada por não saber exatamente o que eu era para um homem e ver esse sentimento ali, tornado o material da literatura, foi uma revelação.
Ler a Annie Ernaux é sempre essa mesma revelação. A revelação de que uma escritora (uma escritora ganhadora do Nobel!) está pronunciando em voz altas coisas que me parecem ser a parte vergonhosa de uma mulher. Os sentimentos e expectativas que a sociedade ao mesmo tempo me ensinou a ter e disse que eu deveria transcender se quisesse me tornar uma mulher interessante. A espera, a disponibilidade, o desejo. Ela está ali, dizendo tudo isso em voz alta. E, mais revelador de tudo, se recusando a ter vergonha.
Paixão Simples, após um breve prólogo, começa com a seguinte frase:
Desde setembro do ano passado não fiz outra coisa além de esperar por um homem: que ele me telefonasse e viesse à minha casa.