Melhores Leituras - 2021
Gente, eu sei, eu estou absolutamente ciente de que já é fevereiro. E eu também estou ciente que eu prometi essas listas em dezembro, o mês em que elas faziam sentido. Mas eu, você, sua tia, seu cachorro, estávamos exaustos no fim do ano e eu particularmente estava tão exausta que nem uma listinha dessas eu conseguia fazer. Mas agora é um novo ano, eu saí de férias, dormi, nunca mais vou dar aula online pra gente de 14 anos e vamos lá. Vamos fingir que ainda faz sentido, vamos fingir que é deliberado, uma coisa assim slow blogging e vamos para os meus melhores de 2021.
Essa é a primeira de três newsletters, com as minhas melhores leituras do ano passado. Ao longo da semana vocês também receberão uma com os melhores filmes e melhores séries, mas antes eu quero estabelecer uns critérios: no caso da lista de livros, eu só decidi incluir as melhores coisas que li ano passado, não importa quando elas foram escritas. E isso porque eu raramente dou atenção para lançamentos assim tão rápido e em geral só chego em livros novos depois que eles fizeram o ciclo de ganhar vários prêmios e ir parar em várias listas de melhores do ano. Em 2021 eu acho que só li dois livros que realmente foram lançados naquele ano sendo que um foi escrito por um amigo meu e o outro é o da Sally Rooney. Portanto, os melhores livros de 2021 é só os melhores livros que eu li em 2021, mas eles podem ter sido escritos em 1300. Para livros e séries eu vou adotar outro critério, ainda igualmente arbitrário, mas disso a gente fala depois.
Além disso: os livros aparecem em ordem cronológica das minhas leituras. Eu decidi que escolher os livros já era trabalho suficiente, não vou também ordenar eles não. E para manter a perspectiva: eu li ao todo 53 livros em 2021. Eu sei que dez acaba sendo bastante, dado essa amostragem total, mas o objetivo é menos excluir livros e mais dar a vocês uma seleção de coisas que realmente valem tempo e esforço.
1 - Loira Suicida, Darcy Steinke - Esse livro ao mesmo tempo movimenta toda uma tradição de literatura de um certo submundo de São Francisco (alô Kerouac) e faz algo totalmente novo: coloca uma mulher como protagonista dessa história. E ao fazer isso ele abre uma gama de reflexões novas a respeito do lugar do amor, dos relacionamentos e do sexo na nossa constituição de sujeito. Eu engoli esse livro em três dias, depois fiquei com todos os incômodos dele por mais três, mas sigo fascinada.
2- Sobre a Beleza, Zadie Smith - Esse era fácil. Eu amo Zadie Smith, amo um bom romance de campus, amo romances filosóficos. Eu gosto também de autores que investigam formas mais antigas de narrar na contemporaneidade (o livro é uma espécie de remake de Howard's End) porque isso permite enxergar a literatura como fruto do seu tempo e das relações sociais e econômicas que a geram. Além disso tudo, a prosa da Zadie Smith é uma delícia mesmo escrevendo sobre reflexões acerca da teoria estética.
3- O Pavilhão Dourado, Yukio Mishima - Aparentemente foi meu ano de ler romances filosóficos sobre a natureza da beleza (e ironicamente eu estou lendo outro livro exatamente sobre isso nesse exato momento). Esse livro talvez seja um dos mais estranhos que eu já li, assim como o Mishima deve ter sido um dos homens mais complicados que já andou na terra. É um romance sobre o desejo, a beleza e a moralidade, tudo isso a partir da fascinação quase sexual de um monge por um templo (bastante fálico, vou só deixar isso aqui).
4 - Milkman, Anna Burns - Eu amo de uma forma muito honesta a maneira como esse livro é escrito. Porque ele ao mesmo tempo usa uma linguagem transparente e cotidiana e faz algo novo e experimental que serve para realçar a subjetividade da narradora e organizar um mundo profundamente masculino segundo o olhar de uma jovem de vinte anos. É um livro sobre os conflitos dos anos 70 na Irlanda, mas é mais sobre todas as questões políticas que nosso discurso sobre esses conflitos deixou de fora.
5 - Austerlitz, W.G. Sebald - Tem dois livros nessa lista (o outro é o Modiano) que foram lidos por causa da minha pesquisa nova e eu fico feliz de ver como, enquanto acadêmica, eu ainda sou puxada pelos livros que eu amo. Esse livro é complexo na sua estrutura, nas identidades retratadas aqui e no posicionamento moral do narrador em relação a Segunda Guerra. É um romance sobre o Holocausto e não é. Talvez não seja nem bem um romance .
6 - Hamnet, Maggie O’Farrel - O livro é um romance histórico a respeito do filho do Shakespeare, Hamnet, que morreu de peste um pouco antes da escrita de, claro, Hamlet. Mas o protagonista não é Shakespeare, é a mulher dele e o livro é ao mesmo tempo uma narrativa das mais envolventes e uma tentativa de devolver essa mulher para a história sem uma sombra acima dela. Ele me deixou pensando obsessivamente na loucura que é Shakespeare ser uma pessoa de verdade, alguém que um belo dia sentou numa escrivaninha e mudou tudo a respeito de como a gente conta histórias.
7 - Dora Bruder, Patrick Modiano - Esse livro transforma uma reflexão a respeito da memória do Holocausto na França em história de detetive e sendo eu uma pessoa muito vendida para escritores que usam a forma de maneiras significativas já estava declarando o Modiano meu novo escritor preferido.
8 - História da sua Vida e outros Contos, Ted Chiang - Eu quero saber por que nenhuma das pessoas que insistiu para eu ler esse livro (e foi muita gente) me disse que ele é o Borges do século 21? Porque é isso, contos que são um pouco de fantasia, um pouco de ficção científica, um tanto de filosofia da religião e um monte de metafísica.
9 - Uma Tristeza Infinita, Antônio Xerxenesky - Esse é o momento “não é porque é meu amigo” embora seja. Eu gosto muito de como nessa história a ambientação e a trama se entrelaçam e da maneira oblíqua como ele fala de traumas culturais através da lente do particular.
10 - Belo Mundo Onde Você Está?, Sally Rooney - Bom, óbvio. Eu me agarrei nesse livro no segundo que a Companhia das Letras mandou aqui pra casa. Eu acho o melhor livro da Sally Rooney, o mais bem escrito, em que ela experimenta mais com forma e linguagem e em que ela domina de maneira mais bem acabada essas narrativas que parecem ser sobre relacionamentos, mas na verdade são sobre o que é Estar no Mundo Enquanto Millenial. Dito tudo isso, eu ainda gosto mais de Pessoas Normais, fazer o que.
Menção Honrosa: Esses dois vão entrar aqui porque foram releituras e acho injusto comparar livros que eu já sabia quão bom eram com os outros. São eles: Rastejando Até Belém, da Joan Didion que eu reli para uma resenha quando ele foi lançado. Se você nunca leu um ensaio da Joan Didion, faça isso por você mesmo. A precisão! A clareza! A prosa!!! Quando ela morreu, no finzinho do ano passado, um monte de gente me mandou mensagem como se eu tivesse perdido minha própria avó, então acho que isso diz o que vocês precisam saber.
E As Virgens Suicidas, do Jeffrey Eugenides que na verdade eu tinha lido aos 17 anos, em uma edição da Rocco que nem existe mais. O fascinante de ler um livro que você leu tantos anos atrás é que eu ainda tinha a sensação dele, mas eu na época não era capaz de entender, racionalmente, o quão bom ele realmente era. A linguagem, a estrutura, a construção delicada e perfeita de tudo que acontece. Sendo honestíssima, talvez tenha sido minha leitura favorita de todas no ano.