Alguns anos atrás, eu estava morando nos Estados Unidos. Toda manhã eu me vestia, pegava minha bicicleta e passava o dia no campus escrevendo minha tese. Às vezes, eu tinha aulas sobre memória e literatura ou teoria do estilo. Uma vez por mês, eu tinha um grupo de leitura sobre estudos da memória. Eu fumava no estacionamento com a minha amiga turca e reclamava de como isso era humilhante. Eu ia tomar café com minha amiga nova-iorquina e a gente xingava que ninguém andava naquela cidade. Então eu voltava pra biblioteca, subia e descia atrás de livros que eu não tinha aqui e escrevia sobre Philip Roth e o holocausto.
No um ano que eu morei lá, eu não falei por telefone ou vídeo com meu parceiro nenhuma vez. Eu gosto de telefone até, me faz lembrar de quando eu era adolescente e ficava horas pendurada com as minhas amigas enquanto pintava as unhas dos pés. Ou de como eu sussurrava para o menino com namorada de madrugada, enquanto fumava na janela. Eu gosto de falar com alguém e viver minha vida, com naturalidade. O vídeo sempre me parece o substituto que só serve para realçar a falta. Você ter que sentar ali com toda sua atenção, de um jeito que nunca acontece nas interações reais, a tela, o rosto sem toque ou cheiro. Tudo em uma chamada de vídeo me deprime.
É meio como conversar com o ChatGPT, a falta de humanidade dele realçando como fala um ser humano de verdade. Essa pretensão de presença só alargando o vazio.
Porém, eu mandava mensagens o dia todo, mesmo quando eu sabia que ele estava dormindo. As mensagens iam se acumulando, pequenos telegramas do meu dia que eram imediatos. Hoje eu descobri um café novo. Hoje eu vi um cara num carro que parecia o Daniel Craig e aí lembrei que moro em Los Angeles e talvez fosse mesmo o Daniel Craig? Quando eu voltar vou sentir muita falta das mexicanas que vendem cachorro quente na porta dos shows.